1. O que é o ECA?
O Estatuto da Criança e do Adolescente é a lei que cria condições de exigibilidade para os direitos da criança e do adolescente, que estão definidos no artigo 227 da Constituição Federal.
2. O que diz o caput do artigo 227 da Constituição?
O caput do art. 227 da Constituição Federal diz: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão."
3. Como entender o sentido de cada um dos termos do caput do artigo 227?
É dever: O artigo não começa falando em direito, mas em dever, ou seja, tudo que é direito da criança e do adolescente é dever das gerações adultas.
Da família, da sociedade e do estado: Estes são os três níveis pelos quais as gerações adultas estão representadas no Estatuto.
Assegurar: Assegurar significa garantir. Garantir alguma coisa é torná-la exigível com base na lei.
À criança e ao adolescente: A substituição da expressão "do menor" por criança e adolescente significa a afirmação da condição humana de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, em detrimento da convenção de natureza jurídica (conceito de menoridade).
Com absoluta prioridade: A expressão absoluta prioridade pretende traduzir o princípio do interesse superior da criança contido na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.
O direito: A adiação da palavra direito ao invés da palavra necessidade é reveladora de uma profunda mudança de enfoque. O menino ou menina em situação de dificuldade pessoal e social já não é visto como portador de necessidades, mas como detentor de direitos exigíveis.
À vida, à saúde, à alimentação: Este primeiro elenco de direitos configura a garantia da sobrevivência.
À educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização: Este conjunto de direitos é que garante à criança e ao adolescente o desenvolvimento pessoal e social, ou seja, a possibilidade de realizar o potencial que trouxe consigo ao nascer.
À liberdade, ao respeito, à dignidade e a convivência familiar e comunitária: Este terceiro elenco de direitos diz respeito à integridade física, psicológica e moral das crianças e adolescentes.
Além de colocá-los a salvo: Colocar as crianças e os adolescentes a salvo é defendê-los das situações e circunstâncias que constituem ameaças de violação dos seus direitos. Seja por ação, seja por omissão.
De toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão: Este conjunto de transgressões correspondem às situações de riscos pessoal e social das quais as crianças e adolescentes devem ser defendidos. As crianças e adolescentes, que se encontrem em qualquer uma dessas circunstâncias especialmente difíceis são credoras de proteção especial por parte da sociedade e do Estado.
4. Por que se diz que o artigo 227 da Constituição Federal se baseia na Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas?
Porque ele assegura todos os direitos para todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, ao contrário do velho Código de Menores, que assegurava apenas a proteção e a vigilância para os menores em situação irregular, ou seja, aos abandonados, carentes, inadaptados e infratores.
A doutrina da proteção integral se destina a todas as crianças e adolescentes.
5. O que é garantir proteção integral a todas as crianças e adolescentes?
Garantir a proteção integral é garantir, para a população infanto-juvenil:
a)A sobrevivência;
b)O desenvolvimento pessoal e social;
c)A integridade física, psicológica e moral.
6. Que mecanismos o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece para a viabilização da proteção integral às crianças e aos adolescentes?
A viabilização da proteção integral, isto é, da garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da integridade de todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, deverá ser feita através da política de atendimento.
7. Como o ECA define a política de atendimento?
"A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". (art. 86 ECA)
Como se pode ver, a articulação é um elemento constitutivo da definição da política de atendimento à criança e ao adolescente. Por isso, podemos considerar a articulação como um dos princípios estruturadores dessa política.
8. Quais são os outros princípios estruturadores da política de atendimento estabelecida pelo ECA?
Os outros grandes princípios estruturadores da política de atendimento estão elencados no Art. 88 do ECA e são os seguintes:
A - Descentralização: A descentralização realizar-se-á da municipalização das ações, como conseqüência de uma nova divisão do trabalho social entre a União, os Estados e os Municípios.
B - Participação: A participação ocorre pelo envolvimento da população, através de suas organizações representativas e de sua participação direta, na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis. Essa participação se materializa, principalmente, através dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares.
C - Sustentabilidade: Este princípio se concretiza pela criação e manutenção de fundos constituídos por recursos orçamentários, transferências e doações de pessoas físicas e jurídicas dedutíveis do Imposto de Renda. Estes fundos são geridos pelos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.
D - Mobilização: Este princípio estabelece a mobilização da opinião pública no sentido de assegurar a participação dos diversos segmentos da sociedade na política de atendimento (Art. 88 inciso VI do ECA).
9. Quais são, então, os grandes princípios estruturadores da política de atendimento?
(I) Descentralização
(II) Participação
(III) Articulação
(IV) Sustentabilidade
(V) Mobilização
10. Nestas perguntas e respostas trataremos de todos os grandes princípios estruturadores?
Não. Limitaremos nossa abordagem ao princípio da articulação.
11. Por que a articulação é um tema tão importante?
Porque, sem um substancial aumento dos níveis de articulação e de mobilização da sociedade organizada, os Conselhos de Direitos (Nacional, Estaduais e Municipais) jamais terão força suficiente para cumprir efetivamente o importante papel que a legislação lhes reservou.
12. Por que isso ocorre?
Isso ocorre porque a cultura ainda prevalecente no Brasil é, na esmagadora maioria das situações, marcada por vícios herdados do nosso passado oligárquico, populista e autoritário, tais como:
- O clientelismo e o fisiologismo em nossa cultura política;
- A burocracia e o corporativismo em nossa cultura administrativa;
- A auto-suficiência e o formalismo em nossa cultura técnica;
- A passividade e a submissão em nossa cultura de relacionamento usuário-serviço público;
- O imediatismo e o setorialismo em nossa cultura empresarial.
13. O que falta para que o Novo Direito da Criança e do Adolescente seja uma realidade para a maioria esmagadora da população infanto-juvenil brasileira?
Para fazer a realidade do novo paradigma mundial, em termos de Direitos da Criança e do Adolescente (Convenção Internacional dos direitos da criança e outros instrumentos) é necessário realizar seis tarefas básicas:
I - Transformar o Novo Direito em bandeira de luta dos movimentos sociais;
II - Transformar o Novo Direito em tema de reflexão e debate por parte da inteligência nacional;
III - Introduzir as conquistas do Novo Direito na Constituição e nas leis nacionais;
IV - Traduzir o Novo Direito em ações de atenção direta em termos de solidariedade social;
V - Transformar as conquistas do Novo Direito em políticas públicas de grande alcance;
VI - Gerar um processo de mobilização social capaz de suscitar uma demanda social ampla e qualificada pelos direitos da criança e do adolescente.
14. Quais dessas tarefas ainda não fomos capazes de realizar no Brasil?
As duas últimas. Infelizmente, até o momento, ainda não fomos capazes de mobilizar a sociedade brasileira em favor da implementação do Estatuto e, por isso mesmo, governantes ainda não se sentiram compelidos a traduzí-lo em termos de políticas públicas de tipo novo.
15. E o que tem a articulação a ver com isso?
A articulação é a pré-condição necessária a qualquer processo sério e conseqüente de mobilização. A sociedade não se mobiliza enquanto não for capaz de articular-se. Sem a mobilização social forte pelos direitos da criança e do adolescente, os Conselhos de Direitos continuarão sem forças para ocupar sua relevante missão social.
16. O que é, afinal de contas, a articulação?
Articulação é uma forma de atuação conjunta entre pessoas, grupos e organizações que se dispõem a trabalhar de forma convergente e complementar em função de propósitos comuns, colocados acima de suas eventuais divergências.
17. Quais são os princípios que devem reger o relacionamento de entes que se articulam?
O princípio dos três respeitos:
- Respeito à identidade de cada ente articulado;
- Respeito à autonomia de cada pessoa, grupo ou entidade que se articula;
- Respeito ao dinamismo próprio de cada membro da articulação.
18. Quais os fundamentos jurídicos, sociais, políticos e éticos da articulação no âmbito da implementação da política de atendimento à criança e ao adolescente?
a)Fundamento jurídico: O próprio ECA, como já vimos, define a política de atendimento como "um conjunto articulado de ações".
b)Fundamento social: Sem articulação, não há mobilização social, Sem mobilização social, não há mudança na ordem social. Sem mudanças na ordem social, a política de atendimento inscrita no ECA não sai do papel, não se viabiliza.
c)Fundamento político: O fundamento político da articulação está na dimensão participativa da democracia brasileira garantida pela Constituição de 05 de outubro de 1988
d)Fundamento ético: A percepção do interesse superior da criança e do adolescente como consenso ético em uma sociedade democrática.
19. Quais os dois tipos básicos de articulação?- A articulação operacional, que pode ser de caráter técnico, logístico ou administrativo e visa melhorar a eficiência e a eficácia das atividades desenvolvidas a serviço de seus destinatários e clientes.
- A articulação ético-política, que visa a luta por causas transcendentes e objetivos externos, relacionados com a fidelidade e coerência com as crenças e valores que presidem a atuação de uma organização.
20. Qual a importância da articulação no interior do processo de construção da política de atendimento estabelecida pelo ECA?
A articulação está para a política de atendimento como o nó está para a rede. Sem o lento, penoso e persistente amarrar, dia-a-dia, dos nós, a rede seguirá sendo apenas um desenho frágil e vulnerável. Por isso, as organizações governamentais e não-governamentais devem atuar como aprendizes insaciáveis e professores incansáveis nesse processo de trabalhar com zelo e determinação na lenta urdidura de um novo tecido social. Um tecido social mais justo, solidário e fraterno.
21. Qual deve ser a atitude básica de quem pretende fazer parte e impulsionar uma articulação?
A atitude básica de cada membro de uma articulação deve ser a de abrir mão da disputa pela liderança, pelo mando, pela regência. Se, mais tarde, os membros da articulação decidem, de forma circunstancial ou permanente, atribuir a um de seus pares um papel de liderança, esta função deve ser assumida como serviços aos demais e, não, como exercício de poder-dominação sobre o conjunto das pessoas, grupos e organizações.
22. Que atitudes favorecem o sucesso de um processo de articulação?- Atenção permanente aos movimentos da conjuntura;
- Identificação atenta e criteriosa de interlocutores e parceiros;
- Explicação e aprofundamento constante de um referencial comum de crenças e valores entre as pessoas, grupos ou entidades participantes de um processo de articulação;
- Planejamento conjunto, participativo e estratégico das ações;
- Avaliação persistente das atividades desenvolvidas.
23. Que tipo de consciência deve presidir o processo de articulação?
O impulso na direção do trabalho deve ser presidido por uma profunda consciência da incompletude e da limitação de cada membro de per si.
A consciência da fragilidade e da precariedade do trabalho isolado é que leva à busca da soma e da sinergia da ação articulada.
24. O princípio da articulação orienta a formulação da estratégia de trabalho em redes, que busca superar vícios antigos das políticas sociais brasileiras. Quais os principais?
Historicamente, a formulação, o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas sociais têm sido eitos de maneira setorial e desarticulada. Cada um dos seus agentes constitui-se num mundo à parte, contribuindo para a perpetuação da desarticulação, do desperdício, do atendimento precário e parcial ao usuário.
25. Por onde começar a reverter esse quadro?
É importante que tenhamos no município (bairros, vilas, áreas de atuação dos Conselhos Tutelares) o terreno prioritário para o trabalho em redes: sua implementação, qualificação e extensão, a partir de diagnósticos, de leituras das realidades locais. Os Conselhos de Direitos e Tutelares são atores principais (mas não exclusivos) desse processo. As palavras-chave são: autonomia e co-responsabilidade.
26. Qual o centro (principal vínculo a ser tecido) de estratégia de trabalho em redes locais de atenção à criança e ao adolescente?
Redes de atendimento não são estáticas. São realidades em movimento. Não há uma receita de rede padronizada para todos os municípios brasileiros. Mas é importante fixar um vínculo básico no trabalho das redes de atenção à criança e ao adolescente: o vínculo família-escola-comunidade. Em torno da família, da escola e da comunidade é que as redes se articulam com conseqüência. Programas sócio-educativos, de orientação sócio-familiar, de renda mínima, de abrigos, de creches, serviços de atendimento a vítimas de maus-tratos, de atendimento a usuários de drogas, todos eles gravitam na órbita do vínculo primordial família-escola-comunidade.
27. Além de estabelecer sinergias e melhorar o atendimento às crianças e adolescentes, qual o sentido pedagógico da atuação em redes?
A persistência na formação de redes locais de atenção à criança e ao adolescente - um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais - significa acúmulo de capital social.
28. E o que vem a ser capital social?
Capital social é o que Albert Hirschman denominou de "recursos morais". São recursos cuja oferta aumenta com o uso, em vez de diminuir. São recursos que esgotam se não forem utilizados. Uma característica específica do capital social (confiança, normas e cadeias de relações sociais) é o fato de que ele normalmente é um bem público, ao contrário do capital convencional, que normalmente é um bem privado.
29. Na formação de redes, como medir o volume de capital social que vai sendo acumulado?
O maior ou menor volume de capital social se manifesta pela maior ou menos capacidade de o conjunto de indivíduos e organizações:
a)Estabelecer coletivamente objetivos de médio e longo prazos.
b)Coesionar pessoas, grupos, instituições e populações em torno desses objetivos.
c)Manter, ao longo do tempo e em face das adversidades, uma constância de propósitos.
30. Qual o principal desafio a ser vencido pelo trabalho em redes com acúmulo de capital social?
Criar capital social, principalmente numa sociedade marcada pela exclusão, por desníveis sociais graves e antigos e pela falta de participação política genuína dos seus cidadãos, não é tarefa fácil, mas será fundamental para fazer a democracia funcionar. Trabalho em redes é compartilhamento, é transparência, é democracia. É um exercício constante de convivência democrática e sinérgica com a diversidade. As redes de atenção à criança e ao adolescente, como qualquer outro tipo de rede, são resultado de uma equação de co-responsabilidade, construída com diálogo, confiança, integração de recursos e preservação da autonomia das partes.
Antônio Carlos Gomes da Costa é pedagogo, diretor da empresa de consultoria Modus Faciendi, ex-oficial de projetos do Unicef e fez parte do grupo que idealizou o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é a lei que cria condições de exigibilidade para os direitos da criança e do adolescente, que estão definidos no artigo 227 da Constituição Federal.
2. O que diz o caput do artigo 227 da Constituição?
O caput do art. 227 da Constituição Federal diz: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão."
3. Como entender o sentido de cada um dos termos do caput do artigo 227?
É dever: O artigo não começa falando em direito, mas em dever, ou seja, tudo que é direito da criança e do adolescente é dever das gerações adultas.
Da família, da sociedade e do estado: Estes são os três níveis pelos quais as gerações adultas estão representadas no Estatuto.
Assegurar: Assegurar significa garantir. Garantir alguma coisa é torná-la exigível com base na lei.
À criança e ao adolescente: A substituição da expressão "do menor" por criança e adolescente significa a afirmação da condição humana de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, em detrimento da convenção de natureza jurídica (conceito de menoridade).
Com absoluta prioridade: A expressão absoluta prioridade pretende traduzir o princípio do interesse superior da criança contido na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.
O direito: A adiação da palavra direito ao invés da palavra necessidade é reveladora de uma profunda mudança de enfoque. O menino ou menina em situação de dificuldade pessoal e social já não é visto como portador de necessidades, mas como detentor de direitos exigíveis.
À vida, à saúde, à alimentação: Este primeiro elenco de direitos configura a garantia da sobrevivência.
À educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização: Este conjunto de direitos é que garante à criança e ao adolescente o desenvolvimento pessoal e social, ou seja, a possibilidade de realizar o potencial que trouxe consigo ao nascer.
À liberdade, ao respeito, à dignidade e a convivência familiar e comunitária: Este terceiro elenco de direitos diz respeito à integridade física, psicológica e moral das crianças e adolescentes.
Além de colocá-los a salvo: Colocar as crianças e os adolescentes a salvo é defendê-los das situações e circunstâncias que constituem ameaças de violação dos seus direitos. Seja por ação, seja por omissão.
De toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão: Este conjunto de transgressões correspondem às situações de riscos pessoal e social das quais as crianças e adolescentes devem ser defendidos. As crianças e adolescentes, que se encontrem em qualquer uma dessas circunstâncias especialmente difíceis são credoras de proteção especial por parte da sociedade e do Estado.
4. Por que se diz que o artigo 227 da Constituição Federal se baseia na Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas?
Porque ele assegura todos os direitos para todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, ao contrário do velho Código de Menores, que assegurava apenas a proteção e a vigilância para os menores em situação irregular, ou seja, aos abandonados, carentes, inadaptados e infratores.
A doutrina da proteção integral se destina a todas as crianças e adolescentes.
5. O que é garantir proteção integral a todas as crianças e adolescentes?
Garantir a proteção integral é garantir, para a população infanto-juvenil:
a)A sobrevivência;
b)O desenvolvimento pessoal e social;
c)A integridade física, psicológica e moral.
6. Que mecanismos o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece para a viabilização da proteção integral às crianças e aos adolescentes?
A viabilização da proteção integral, isto é, da garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da integridade de todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, deverá ser feita através da política de atendimento.
7. Como o ECA define a política de atendimento?
"A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". (art. 86 ECA)
Como se pode ver, a articulação é um elemento constitutivo da definição da política de atendimento à criança e ao adolescente. Por isso, podemos considerar a articulação como um dos princípios estruturadores dessa política.
8. Quais são os outros princípios estruturadores da política de atendimento estabelecida pelo ECA?
Os outros grandes princípios estruturadores da política de atendimento estão elencados no Art. 88 do ECA e são os seguintes:
A - Descentralização: A descentralização realizar-se-á da municipalização das ações, como conseqüência de uma nova divisão do trabalho social entre a União, os Estados e os Municípios.
B - Participação: A participação ocorre pelo envolvimento da população, através de suas organizações representativas e de sua participação direta, na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis. Essa participação se materializa, principalmente, através dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares.
C - Sustentabilidade: Este princípio se concretiza pela criação e manutenção de fundos constituídos por recursos orçamentários, transferências e doações de pessoas físicas e jurídicas dedutíveis do Imposto de Renda. Estes fundos são geridos pelos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.
D - Mobilização: Este princípio estabelece a mobilização da opinião pública no sentido de assegurar a participação dos diversos segmentos da sociedade na política de atendimento (Art. 88 inciso VI do ECA).
9. Quais são, então, os grandes princípios estruturadores da política de atendimento?
(I) Descentralização
(II) Participação
(III) Articulação
(IV) Sustentabilidade
(V) Mobilização
10. Nestas perguntas e respostas trataremos de todos os grandes princípios estruturadores?
Não. Limitaremos nossa abordagem ao princípio da articulação.
11. Por que a articulação é um tema tão importante?
Porque, sem um substancial aumento dos níveis de articulação e de mobilização da sociedade organizada, os Conselhos de Direitos (Nacional, Estaduais e Municipais) jamais terão força suficiente para cumprir efetivamente o importante papel que a legislação lhes reservou.
12. Por que isso ocorre?
Isso ocorre porque a cultura ainda prevalecente no Brasil é, na esmagadora maioria das situações, marcada por vícios herdados do nosso passado oligárquico, populista e autoritário, tais como:
- O clientelismo e o fisiologismo em nossa cultura política;
- A burocracia e o corporativismo em nossa cultura administrativa;
- A auto-suficiência e o formalismo em nossa cultura técnica;
- A passividade e a submissão em nossa cultura de relacionamento usuário-serviço público;
- O imediatismo e o setorialismo em nossa cultura empresarial.
13. O que falta para que o Novo Direito da Criança e do Adolescente seja uma realidade para a maioria esmagadora da população infanto-juvenil brasileira?
Para fazer a realidade do novo paradigma mundial, em termos de Direitos da Criança e do Adolescente (Convenção Internacional dos direitos da criança e outros instrumentos) é necessário realizar seis tarefas básicas:
I - Transformar o Novo Direito em bandeira de luta dos movimentos sociais;
II - Transformar o Novo Direito em tema de reflexão e debate por parte da inteligência nacional;
III - Introduzir as conquistas do Novo Direito na Constituição e nas leis nacionais;
IV - Traduzir o Novo Direito em ações de atenção direta em termos de solidariedade social;
V - Transformar as conquistas do Novo Direito em políticas públicas de grande alcance;
VI - Gerar um processo de mobilização social capaz de suscitar uma demanda social ampla e qualificada pelos direitos da criança e do adolescente.
14. Quais dessas tarefas ainda não fomos capazes de realizar no Brasil?
As duas últimas. Infelizmente, até o momento, ainda não fomos capazes de mobilizar a sociedade brasileira em favor da implementação do Estatuto e, por isso mesmo, governantes ainda não se sentiram compelidos a traduzí-lo em termos de políticas públicas de tipo novo.
15. E o que tem a articulação a ver com isso?
A articulação é a pré-condição necessária a qualquer processo sério e conseqüente de mobilização. A sociedade não se mobiliza enquanto não for capaz de articular-se. Sem a mobilização social forte pelos direitos da criança e do adolescente, os Conselhos de Direitos continuarão sem forças para ocupar sua relevante missão social.
16. O que é, afinal de contas, a articulação?
Articulação é uma forma de atuação conjunta entre pessoas, grupos e organizações que se dispõem a trabalhar de forma convergente e complementar em função de propósitos comuns, colocados acima de suas eventuais divergências.
17. Quais são os princípios que devem reger o relacionamento de entes que se articulam?
O princípio dos três respeitos:
- Respeito à identidade de cada ente articulado;
- Respeito à autonomia de cada pessoa, grupo ou entidade que se articula;
- Respeito ao dinamismo próprio de cada membro da articulação.
18. Quais os fundamentos jurídicos, sociais, políticos e éticos da articulação no âmbito da implementação da política de atendimento à criança e ao adolescente?
a)Fundamento jurídico: O próprio ECA, como já vimos, define a política de atendimento como "um conjunto articulado de ações".
b)Fundamento social: Sem articulação, não há mobilização social, Sem mobilização social, não há mudança na ordem social. Sem mudanças na ordem social, a política de atendimento inscrita no ECA não sai do papel, não se viabiliza.
c)Fundamento político: O fundamento político da articulação está na dimensão participativa da democracia brasileira garantida pela Constituição de 05 de outubro de 1988
d)Fundamento ético: A percepção do interesse superior da criança e do adolescente como consenso ético em uma sociedade democrática.
19. Quais os dois tipos básicos de articulação?- A articulação operacional, que pode ser de caráter técnico, logístico ou administrativo e visa melhorar a eficiência e a eficácia das atividades desenvolvidas a serviço de seus destinatários e clientes.
- A articulação ético-política, que visa a luta por causas transcendentes e objetivos externos, relacionados com a fidelidade e coerência com as crenças e valores que presidem a atuação de uma organização.
20. Qual a importância da articulação no interior do processo de construção da política de atendimento estabelecida pelo ECA?
A articulação está para a política de atendimento como o nó está para a rede. Sem o lento, penoso e persistente amarrar, dia-a-dia, dos nós, a rede seguirá sendo apenas um desenho frágil e vulnerável. Por isso, as organizações governamentais e não-governamentais devem atuar como aprendizes insaciáveis e professores incansáveis nesse processo de trabalhar com zelo e determinação na lenta urdidura de um novo tecido social. Um tecido social mais justo, solidário e fraterno.
21. Qual deve ser a atitude básica de quem pretende fazer parte e impulsionar uma articulação?
A atitude básica de cada membro de uma articulação deve ser a de abrir mão da disputa pela liderança, pelo mando, pela regência. Se, mais tarde, os membros da articulação decidem, de forma circunstancial ou permanente, atribuir a um de seus pares um papel de liderança, esta função deve ser assumida como serviços aos demais e, não, como exercício de poder-dominação sobre o conjunto das pessoas, grupos e organizações.
22. Que atitudes favorecem o sucesso de um processo de articulação?- Atenção permanente aos movimentos da conjuntura;
- Identificação atenta e criteriosa de interlocutores e parceiros;
- Explicação e aprofundamento constante de um referencial comum de crenças e valores entre as pessoas, grupos ou entidades participantes de um processo de articulação;
- Planejamento conjunto, participativo e estratégico das ações;
- Avaliação persistente das atividades desenvolvidas.
23. Que tipo de consciência deve presidir o processo de articulação?
O impulso na direção do trabalho deve ser presidido por uma profunda consciência da incompletude e da limitação de cada membro de per si.
A consciência da fragilidade e da precariedade do trabalho isolado é que leva à busca da soma e da sinergia da ação articulada.
24. O princípio da articulação orienta a formulação da estratégia de trabalho em redes, que busca superar vícios antigos das políticas sociais brasileiras. Quais os principais?
Historicamente, a formulação, o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas sociais têm sido eitos de maneira setorial e desarticulada. Cada um dos seus agentes constitui-se num mundo à parte, contribuindo para a perpetuação da desarticulação, do desperdício, do atendimento precário e parcial ao usuário.
25. Por onde começar a reverter esse quadro?
É importante que tenhamos no município (bairros, vilas, áreas de atuação dos Conselhos Tutelares) o terreno prioritário para o trabalho em redes: sua implementação, qualificação e extensão, a partir de diagnósticos, de leituras das realidades locais. Os Conselhos de Direitos e Tutelares são atores principais (mas não exclusivos) desse processo. As palavras-chave são: autonomia e co-responsabilidade.
26. Qual o centro (principal vínculo a ser tecido) de estratégia de trabalho em redes locais de atenção à criança e ao adolescente?
Redes de atendimento não são estáticas. São realidades em movimento. Não há uma receita de rede padronizada para todos os municípios brasileiros. Mas é importante fixar um vínculo básico no trabalho das redes de atenção à criança e ao adolescente: o vínculo família-escola-comunidade. Em torno da família, da escola e da comunidade é que as redes se articulam com conseqüência. Programas sócio-educativos, de orientação sócio-familiar, de renda mínima, de abrigos, de creches, serviços de atendimento a vítimas de maus-tratos, de atendimento a usuários de drogas, todos eles gravitam na órbita do vínculo primordial família-escola-comunidade.
27. Além de estabelecer sinergias e melhorar o atendimento às crianças e adolescentes, qual o sentido pedagógico da atuação em redes?
A persistência na formação de redes locais de atenção à criança e ao adolescente - um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais - significa acúmulo de capital social.
28. E o que vem a ser capital social?
Capital social é o que Albert Hirschman denominou de "recursos morais". São recursos cuja oferta aumenta com o uso, em vez de diminuir. São recursos que esgotam se não forem utilizados. Uma característica específica do capital social (confiança, normas e cadeias de relações sociais) é o fato de que ele normalmente é um bem público, ao contrário do capital convencional, que normalmente é um bem privado.
29. Na formação de redes, como medir o volume de capital social que vai sendo acumulado?
O maior ou menor volume de capital social se manifesta pela maior ou menos capacidade de o conjunto de indivíduos e organizações:
a)Estabelecer coletivamente objetivos de médio e longo prazos.
b)Coesionar pessoas, grupos, instituições e populações em torno desses objetivos.
c)Manter, ao longo do tempo e em face das adversidades, uma constância de propósitos.
30. Qual o principal desafio a ser vencido pelo trabalho em redes com acúmulo de capital social?
Criar capital social, principalmente numa sociedade marcada pela exclusão, por desníveis sociais graves e antigos e pela falta de participação política genuína dos seus cidadãos, não é tarefa fácil, mas será fundamental para fazer a democracia funcionar. Trabalho em redes é compartilhamento, é transparência, é democracia. É um exercício constante de convivência democrática e sinérgica com a diversidade. As redes de atenção à criança e ao adolescente, como qualquer outro tipo de rede, são resultado de uma equação de co-responsabilidade, construída com diálogo, confiança, integração de recursos e preservação da autonomia das partes.
Antônio Carlos Gomes da Costa é pedagogo, diretor da empresa de consultoria Modus Faciendi, ex-oficial de projetos do Unicef e fez parte do grupo que idealizou o Estatuto da Criança e do Adolescente.
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