A Constituição Federal de 1988 prevê dentre os Direitos e Garantias Fundamentais o direito a infância, previsto no Capítulo II, do Título II, em seu artigo 6º. Trata-se de um direito social que enseja uma obrigação positiva do Estado, ou seja, a adoção de todos os meios necessários para o seu resguardo.
Com o intuito de proteger a infância, a Carta Magna optou por deixar expressos os direitos assegurados à criança e ao adolescente, como se depreende da leitura do artigo 227. Mas o dever proteção cabe não só ao Estado, mas também a família e a sociedade, atribuindo-lhes a obrigação de resguardar o direito à vida, à saúde, alimentação, assim como outros fundamentais à dignidade de qualquer pessoa humana. Exige-se, portanto, a cooperação de todos os setores da sociedade.
As crianças e os adolescentes passaram a ter absoluta prioridade, uma vez que se encontram em estágio especial de desenvolvimento e necessitam de proteção diferenciada.
Com o advento da previsão sob análise, necessário fez-se a elaboração de legislação infraconstitucional que tornasse efetivos esses direitos, o que ocorreu com a promulgação da Lei 8.069 em 1990, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, produto de mais uma conquista democrática da nação brasileira.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é a normatização aplicável a todos aqueles que têm até 18 anos de idade — e em casos excepcionais até os 21 anos — a fim de garantir-lhes todo o indispensável para o seu completo desenvolvimento.
Em consonância com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 21.11.1990 através do Decreto 99.710, o novo regramento passou a adotar o que se denomina doutrina da proteção integral, cujo objetivo é satisfazer e garantir os direitos inerentes à criança e ao adolescente.
As crianças e os adolescentes passam a ser vistos como sujeito de direitos, cuja proteção especial está diretamente ligada ao fato de que suas personalidades estão em processo de desenvolvimento intelectual, moral e social.
Para que este desenvolvimento ocorra sem percalços, são assegurados expressamente: o direito à liberdade, à convivência familiar, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, de proteção especial nas relações de trabalho, dentre outros previstos no corpo da legislação especial.
O ECA, em seus 267 artigos, prevê medidas de prevenção e de proteção para que não haja violação nem ameaça a esses direitos, que se estendem desde o campo cível (direito de família) até o penal. Para tanto, estabelece regras de direito material e processual, aplicando-se subsidiariamente no caso de lacunas, a legislação comum, com a ressalva de que seja compatível (artigo 152).
Para tornar possível essa especial atenção, o referido estatuto dispõe inclusive sobre o Juízo da Infância e da Juventude, com as conseqüentes varas especializadas, competentes para a análise e julgamento dessas matérias (artigos 145/151).
Ainda no diapasão desta doutrina integral, o ECA estabelece, em consonância com o artigo 228 da Constituição Federal, que os menores de 18 anos são considerados inimputáveis para efeitos penais e estão sujeitos a legislação especial (artigo 104). Submetem-se às regras materiais e processuais penais previstas no Estatuto, quando da prática de ato infracional.
A preocupação de proteção das crianças e dos adolescentes já se mostra aparente no início do século XX com a Declaração de Genebra de 1924. À partir da década de 50 a humanidade esforçou-se no sentido de positivar os direitos e garantias da criança e do adolescente. Espelho disso é a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, ratificada pelo Brasil, bem como as Regras de Beijing de 1985, a Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança (1989), as Regras das Nações Unidas para a proteção dos menores privados de liberdade (1990) e as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad -1990). No âmbito do continente americano, há ainda o Pacto de São José da Costa Rica de 1969, ratificado pelo Brasil através do Decreto 678/92, que estabelece: “toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do Estado” (art. 19). Temos aqui os verdadeiros embriões de uma nova concepção jurídica para a criança e o adolescente, e que culminou na previsão constitucional dos artigos 227 e 228.
A doutrina da proteção integral rompeu com todos os fundamentos anteriores da legislação aplicada aos “menores”. Esta ruptura fez-se necessária, tendo em vista que, até então o Brasil adotava a doutrina da situação irregular, calcada no binômio carência/delinqüência, caracterizada pela não diferenciação no tratamento a ser dado aos abandonados e aos delinqüentes.
A legislação baseada na doutrina da situação irregular passou a ser expressamente adotada pelo Código de Menores de 1927, conhecido como Código Mello Mattos, cujo fundamento era a necessidade de proteção e assistência do Estado contra o abandono, os maus tratos e as influências desmoralizadoras exercidas sobre os menores.
Em substituição à legislação penal que regulou a assistência, a proteção e a vigilância dispensada aos menores pelo Estado Brasileiro, durante mais de meio século, no Ano Internacional da Criança o governo promulgou a Lei 6.697/79 — o Novo Código de Menores — que não representou grandes avanços e acabou repetindo o que já estava previsto. O Código de Menores de 1979 visava atingir os mesmos fins em relação a todos os menores com até 18 anos e que se encontrassem em situação irregular, e entre os 18 e 21 anos nos casos expressos em lei.
Neste período se reforça a idéia de criar grandes institutos para menores (FUNABEM e posteriormente FEBEM), tanto infratores como abandonados, e que tendo em vista o fato de que não havia separação entre eles, ocasionou uma verdadeira marginalização da infância, sob o rótulo estigmatizante de “menores”.
Aos poucos a sociedade se deu conta de que esta doutrina da situação irregular era apenas mais um modelo de opressão aos menores que estavam vulneráveis, o que proporcionou o terreno fértil para a sedimentação do caminho em direção à doutrina da proteção integral. A previsão constitucional é uma garantia, de que a criança e o adolescente receberá sempre do Estado a atenção que merece.
Bibliografia:
CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais, 7ª ed., São Paulo, Malheiros, 2005.
ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004.
PEREIRA, Tânia da Silva. Dimensão Multidisciplinar do Adolescente como Sujeito de Direitos e Pessoa em Desenvolvimento. In Sócio-Educando? no Brasil: adolescentes em conflito com a Lei: experiências de medidas sócio-educativas, São Paulo, Publicação do Prêmio Sócio-Educando?, s/d, p. 93.
SPOSATO, Karyna B. A Convenção Internacional das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança — 10 anos, in Revista do Ilanud, n.º 14, 2001.
Com o intuito de proteger a infância, a Carta Magna optou por deixar expressos os direitos assegurados à criança e ao adolescente, como se depreende da leitura do artigo 227. Mas o dever proteção cabe não só ao Estado, mas também a família e a sociedade, atribuindo-lhes a obrigação de resguardar o direito à vida, à saúde, alimentação, assim como outros fundamentais à dignidade de qualquer pessoa humana. Exige-se, portanto, a cooperação de todos os setores da sociedade.
As crianças e os adolescentes passaram a ter absoluta prioridade, uma vez que se encontram em estágio especial de desenvolvimento e necessitam de proteção diferenciada.
Com o advento da previsão sob análise, necessário fez-se a elaboração de legislação infraconstitucional que tornasse efetivos esses direitos, o que ocorreu com a promulgação da Lei 8.069 em 1990, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, produto de mais uma conquista democrática da nação brasileira.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é a normatização aplicável a todos aqueles que têm até 18 anos de idade — e em casos excepcionais até os 21 anos — a fim de garantir-lhes todo o indispensável para o seu completo desenvolvimento.
Em consonância com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 21.11.1990 através do Decreto 99.710, o novo regramento passou a adotar o que se denomina doutrina da proteção integral, cujo objetivo é satisfazer e garantir os direitos inerentes à criança e ao adolescente.
As crianças e os adolescentes passam a ser vistos como sujeito de direitos, cuja proteção especial está diretamente ligada ao fato de que suas personalidades estão em processo de desenvolvimento intelectual, moral e social.
Para que este desenvolvimento ocorra sem percalços, são assegurados expressamente: o direito à liberdade, à convivência familiar, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, de proteção especial nas relações de trabalho, dentre outros previstos no corpo da legislação especial.
O ECA, em seus 267 artigos, prevê medidas de prevenção e de proteção para que não haja violação nem ameaça a esses direitos, que se estendem desde o campo cível (direito de família) até o penal. Para tanto, estabelece regras de direito material e processual, aplicando-se subsidiariamente no caso de lacunas, a legislação comum, com a ressalva de que seja compatível (artigo 152).
Para tornar possível essa especial atenção, o referido estatuto dispõe inclusive sobre o Juízo da Infância e da Juventude, com as conseqüentes varas especializadas, competentes para a análise e julgamento dessas matérias (artigos 145/151).
Ainda no diapasão desta doutrina integral, o ECA estabelece, em consonância com o artigo 228 da Constituição Federal, que os menores de 18 anos são considerados inimputáveis para efeitos penais e estão sujeitos a legislação especial (artigo 104). Submetem-se às regras materiais e processuais penais previstas no Estatuto, quando da prática de ato infracional.
A preocupação de proteção das crianças e dos adolescentes já se mostra aparente no início do século XX com a Declaração de Genebra de 1924. À partir da década de 50 a humanidade esforçou-se no sentido de positivar os direitos e garantias da criança e do adolescente. Espelho disso é a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, ratificada pelo Brasil, bem como as Regras de Beijing de 1985, a Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança (1989), as Regras das Nações Unidas para a proteção dos menores privados de liberdade (1990) e as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad -1990). No âmbito do continente americano, há ainda o Pacto de São José da Costa Rica de 1969, ratificado pelo Brasil através do Decreto 678/92, que estabelece: “toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do Estado” (art. 19). Temos aqui os verdadeiros embriões de uma nova concepção jurídica para a criança e o adolescente, e que culminou na previsão constitucional dos artigos 227 e 228.
A doutrina da proteção integral rompeu com todos os fundamentos anteriores da legislação aplicada aos “menores”. Esta ruptura fez-se necessária, tendo em vista que, até então o Brasil adotava a doutrina da situação irregular, calcada no binômio carência/delinqüência, caracterizada pela não diferenciação no tratamento a ser dado aos abandonados e aos delinqüentes.
A legislação baseada na doutrina da situação irregular passou a ser expressamente adotada pelo Código de Menores de 1927, conhecido como Código Mello Mattos, cujo fundamento era a necessidade de proteção e assistência do Estado contra o abandono, os maus tratos e as influências desmoralizadoras exercidas sobre os menores.
Em substituição à legislação penal que regulou a assistência, a proteção e a vigilância dispensada aos menores pelo Estado Brasileiro, durante mais de meio século, no Ano Internacional da Criança o governo promulgou a Lei 6.697/79 — o Novo Código de Menores — que não representou grandes avanços e acabou repetindo o que já estava previsto. O Código de Menores de 1979 visava atingir os mesmos fins em relação a todos os menores com até 18 anos e que se encontrassem em situação irregular, e entre os 18 e 21 anos nos casos expressos em lei.
Neste período se reforça a idéia de criar grandes institutos para menores (FUNABEM e posteriormente FEBEM), tanto infratores como abandonados, e que tendo em vista o fato de que não havia separação entre eles, ocasionou uma verdadeira marginalização da infância, sob o rótulo estigmatizante de “menores”.
Aos poucos a sociedade se deu conta de que esta doutrina da situação irregular era apenas mais um modelo de opressão aos menores que estavam vulneráveis, o que proporcionou o terreno fértil para a sedimentação do caminho em direção à doutrina da proteção integral. A previsão constitucional é uma garantia, de que a criança e o adolescente receberá sempre do Estado a atenção que merece.
Bibliografia:
CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais, 7ª ed., São Paulo, Malheiros, 2005.
ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004.
PEREIRA, Tânia da Silva. Dimensão Multidisciplinar do Adolescente como Sujeito de Direitos e Pessoa em Desenvolvimento. In Sócio-Educando? no Brasil: adolescentes em conflito com a Lei: experiências de medidas sócio-educativas, São Paulo, Publicação do Prêmio Sócio-Educando?, s/d, p. 93.
SPOSATO, Karyna B. A Convenção Internacional das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança — 10 anos, in Revista do Ilanud, n.º 14, 2001.
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