Aborda o Estatuto da Criança e Adolescente comparando com a realidade do nosso dia a dia, sua aplicação e fiscalização.
1. TRABALHO INFANTIL.
Norberto Bobbio [1] observa que a Declaração dos Direitos Humanos:
“contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta dos direitos positivos universais”
O Preâmbulo da Convenção sobre Direitos da Criança (1989) a situa “na particularidade concreta dos direitos positivos”. As normas internacionais concernentes à idade mínima, por sua vez, são os desdobramentos do que dispõe o art. 32 da mesma Convenção , estabelecimento de uma idade ou idades mínimas para admissão em empregos como medidas legislativas, administrativas e educacionais para proteger a criança contra a exploração econômica. a adoção de medidas legislativas, administrativas e educacionais.
As normas concernentes ao trabalho infantil devem, pois, primeiramente ser colocadas na perspectiva de preservação de direitos humanos da criança .
É juridicamente relevante, embora óbvio “inter doctos”, saber que a inteligência da normas só é perfeita na perspectiva de sua teleologia, ou seja, dos valores que visam preservar. Nelas enfocar apenas o “VAZIO” criado pelo “NÃO” jurídico é uma leitura paupérrima, embora comum. O valor a preservar é o de “SER CRIANÇA” com direito à saúde, à convivência familiar e social, ao lazer, ao brincar, ao acesso (regresso), permanência e sucesso nos estudos, portanto a uma escola de qualidade.
As pesquisas quantitativas e qualitativas enfocando os aspetos cultural, sociológico, econômico , sanitário mostram que as crianças e adolescentes que se envolveram no trabalho prematuro foram e são privados deste direitos.
1.1 Causas
Há consenso que o trabalho infantil como realidade sociológica não se explica por unicausalidade. O “histórico” (passado e presente) processo de produção capitalista é a causa fundamental da exploração da mão de obra infantil. Desde a implantação da revolução industrial no final do século XVIII a burguesia industrial, mais tarde a agrária, se capitalizaram e se capitalizam também com uma voraz e desumana utilização da mão de obra infanto juvenil.
Há quem creia que este processo, que não seria “intrinsecamente mau”, pode ser melhorado com reformas substancialmente iguais, com outra nomenclatura, às propostas pelo socialismo utópico do século XIX. Fatores imediatos condicionantes podem ser apontados,entre outros, a pobreza (indiscutivelmente um dos mais fortes ); a cultura ( aceitação da fatalidade da pobreza e como sina do pobre), carência de ofertas de escolaridade de qualidade; inexistência de políticas públicas consistentes e perseverantes, os fatores se interagem de tal maneira que, em certas circunstancias, há predomínio de um sobre outros, mas sempre criando um círculo vicioso.
1.2 Conceito de trabalho infantil
Há certa complexidade na conceituação do trabalho infantil.
1.2.1 Trabalho
Importa saber qual a interpretação se dar aos termos “qualquer trabalho” do Inc. XXXIII do art. º 7º da a C.F. Referindo-se todo o referido artigo ao que trabalho em regime de emprego, pode-se sistematicamente interpretar que a proibição do Inc. XXXIII se limita ao efetuado na relação empregatícia.
Os efeitos práticos de tal interpretação assume caráter acadêmico de vez que a ratificada Convenção 138 explicita que as normas nela contidas se aplicam à “admissão a emprego ou trabalho” (art. 1º ) em “qualquer ocupação” (art. 2º) seja for o regime jurídico.
Também as normas do ECA [2] sobre trabalho ( art. 60 a 69) não se restringem ao trabalho em regime de emprego. Pode-se perguntar se as normas da Convenção 138 comportam exceções. Os artigos 4º e 5º permitem que países excluam de sua aplicação número limitado de categorias ou limitem o alcance da aplicação. O Brasil, ao ratificar a Convenção 138, não fez nenhuma ressalva. O art. 6º explicitamente excepciona de sua aplicação os trabalhos que se realizam em programas de qualificação profissional ainda que em alternância em centro de formação e na empresa; nesta, porém, com a idade mínima de 14 anos. Cabe uma indagação sobre o trabalho que filhos e filhas executam (ou deveriam executar) auxiliando nas tarefas caseiras no “ambiente familiar”, no entorno da casa, no próprio domicílio, portanto não para terceiros., serviços em cuja exceção todos, inclusive os homens, devem colaborar de tal maneira que não se onere demais a “dupla jornada” da mulher. Dentro de parâmetros de razoabilidade, sem ofensa a outros direitos ( escolaridade, lazer,) tais trabalhos não são proibidos e fazem parte de um processo de socialização, de integração na vida social do grupo a que a criança pertence, como bem aponta Elias Mendelievich [3].
A incidência de numerosos programas de televisão, de que crianças e adolescentes participam como atores, tem suscitado questões sobre licitude de tais trabalhos. Devem ser observadas as normas do art. 149 do ECA (disciplina por portaria, autorização caso a caso) e do art. 8 da Convenção (casos individuais), devendo os conselhos tutelares, a promotoria pública e o juizado da infância e da adolescência cumprir suas obrigações sobre os abusos ocorrentes. Atendendo pedido de uma emissora de televisão a Fundação ABRINQ ( ouvidos pais, psicólogos, pedagogos, juristas, profissionais da área) produziu um protocolo de livre adesão apontando o que é correto observar na participação de crianças e adolescentes em tais exibições.
1.2.2 Infantil
A Declaração dos Direitos da Criança define: entende-se por criança ( niño, enfant, child)) todo ser humano menor e 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes” A Convenção 182 sobre “piores formas de trabalho infantil” estende sua proteção à criança (niño, enfant. child) com idade inferior a 18 anos. A Convenção 138 da OIT não explicita o conceito de criança , mas a proteção nela contemplada se restringe à idade de 18 anos. Também norma constitucional e o ECA limitam a disciplina da idade mínima aos 18 anos.
Literalmente seria infantil todo trabalho executado na faixa etária inferior a 18 anos e equivocadamente se deduziria que seria proibido e deveria ser eliminado. Todavia as normas internacionais e nacionais fixam no interior desta faixa etária vários níveis, permitindo que adolescente possa trabalhar a partir de 15 ou 14 anos dentro parâmetros bem especificados. No Brasil a partir do 14 como aprendiz e dos 16 anos trabalho comum (fora do processo de aprendizagem).
A Convenção da OIT fixa várias idades mínimas de admissão:- a “básica” para admissão ao emprego e ao trabalho (15 ou 14 anos) (arts. 2º).; “superior” (18 anos) para trabalhos que prejudiquem a saúde, a segurança e a moral, com possibilidade de a partir dos 16 anos se for proporcionada instrução ou formação adequada (art. 3º); “ inferior” (13 ou 12 anos para trabalhos leves (art. 7º)
A Constituição Federal fixa as idades diversamente:- a “básica” ( 16 anos) para trabalhos fora de processo de qualificação; a “ inferior” ( 14 anos) cobre duas hipótese: proibição de qualquer trabalho, mas permissão em regime de aprendizagem; “superior” (18 anos) para insalubres e perigosos não abrindo exceção se houver “instrução e formação adequada” .O Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta proibição de trabalhos “penosos” e realizados em locais prejudiciais à formação e o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
Sintetizando, harmonizando sistematicamente os comandos da norma internacional ratificada e de outras normas brasileiras, mas levando em consideração restrições maiores da legislação pátria é infantil e juridicamente proibido o trabalho executado abaixo das idades previstas em lei, ou seja, 14 anos em qualquer emprego ou ocupação; 16 anos fora de processo de qualificação profissional (aprendizagem); 18 anos para trabalhos insalubres, perigosos, penosos prejudiciais ao desenvolvimento físico, psíquico social e moral.
2. PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL.
À medida que as ações do IPEC [4] se desenvolveram, percebeu-se que o trabalho infantil em quase todos os países assume formas de alta agressividade.. No Brasil as primeiras pesquisas , ações e programas se voltaram para trabalhos mais agressivos como os do corte da cana, da utilização da cola tóxica no setor calçadista, de serviços e em locais de carvoarias, da indústria fumageira.
A Convenção 182 houve por bem qualificar tais trabalhos como ”piores formas” não deixando dúvida até gramaticalmente que as demais não eram boas, portanto, nem toleráveis nem aceitáveis, nem boas.
O art. 3º da Convenção elenca as seguintes piores formas:
a) escravidão ou práticas análogas à escravidão, venda de crianças, servidão por
dívidas, condições de servos, trabalho forçado ou obrigatório incluído para
utilização em conflitos armados;
b) recrutamento para prostituição, produção de material pornográfico e atividades
pornográficas;
c) utilização e recrutamento de crianças para atividades ilícitas tais como
produção e tráfico de drogas;
d) trabalho que por sua natureza ou condições afete a saúde, a segurança e a
moralidade.
Cada Estado- Membro deve explicitar as modalidades ocorrentes em seu território e dar absoluta prioridade ao combate, à eliminação, à erradicação destas formas..
Os adjetivos básica, superior e inferior são adotados pelos Expertos na Aplicação de Convenções e Recomendações.
3. TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO - TID
Nos últimos anos a OIT vem promovendo pesquisas e ampla mobilização em vários países, inclusive no Brasil,. enfocando o TID, Pesquisas qualitativas realizadas em várias capitais estaduais brasileiras têm revelações nada alvissareiras. Entre 10 e 17 anos havia em 1998 no Brasil o expressivo número de 556.237 crianças e adolescentes no emprego domestico ( 95% mulheres) (10.49% sobre total de pessoas no emprego doméstico).
Juridicamente os mesmos princípios e normas internacionais e nacionais que regem o trabalho infantil em geral se aplicam ao emprego doméstico.
Vários fatores específicos afetam o TID :- localidade do desempenho:- no interior das residências cujo acesso é resguardado pela inviolabilidade; maior possibilidade de assédio sexual e moral sem possibilidade ou coragem de denunciar; durações de jornada que, de fato, se não impossibilitam a freqüência à escola, inviabilizam o aproveitamento escolar; convívio social limitado sobretudo para as que moram na casa do empregador; falta de qualificação profissional para enfrentar outras alternativas de trabalho oferecidas pelo mercado; resquícios escravocratas de quem deseja ter uma mucama à sua disposição sem delimitação de duração de jornada; persistência em algumas regiões do emprego doméstico camuflado com o apadrinhamento ou com a figura da guarda.
4. PROTEÇÃO JURÍDICA DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUE EXECUTAM TRABALHO INFANTIL.
Ainda que proibido o trabalho infantil o direito protege as crianças e adolescentes que o executam não só com ações que visem imediatamente não permitir sua continuidade da atividade, mas também garantindo-lhes todos os direitos decorrentes da relação jurídica na qual envolvem-se a relação é de emprego os direitos no momento em que são afastados a criança e adolescente, têm eles todos os direitos garantidos pelas normas celetistas e de leis extravagantes ( 13º salário, FGTS, etc.), com anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social ( CTPS) e recolhimento das verbas previdenciárias.
Configurada a hipótese do adolescente continuar trabalhando ultrapassada a fase da proibição, há “acessio temporis”, portanto, um só contrato para os efeitos legais e convencionais pertinentes.
Já se decidiu várias vezes, com razão:- não se pode invocar uma norma de proteção trabalhista ou previdenciária, apontar a irregularidade (nulidade se quiserem) da contratação para desproteger o trabalhador infantil e enriquecer-se ilicitamente.
5. ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL.
Em termos imediatos a Convenção 138 não exige que os países consigam abolir o trabalho infantil “miraculosamente”. É um desafio para anos. O art. 1º exige que os países membros se comprometam a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição, hoje considerada como umas das exigência dos Princípios e Direitos Fundamentais do trabalho elencados na Declaração da OIT de 1998. Antes da implementação do IPEC no Brasil o trabalho infantil não existia na agência nacional. exceto rápidas referências acadêmicas à idade mínima, tudo mais demonstrando haver uma passividade cultural de aceitação. Não faltaram os que viam nele uma ”solução ” em vez de um “problema”, de uma “chaga”.. As primeiras pesquisas mostrando fatos, ainda que feitas com absoluta objetividade, foram taxadas de “radicais” ou tentou-se escondê-lo “debaixo do tapete”.
O IPEC criou uma mobilização e uma articulação envolvendo órgãos governamentais e não governamentais, contando com a estrutura implantada pelo ECA de Conselhos Tutelares, de Conselhos de Direitos em âmbito nacional, estadual, regional, municipal.. Nesta caminhada merece destaque a atuação de fóruns regionais e sobretudo do Fórum Nacional de Eliminação e Erradicação do Trabalho Infantil, que conta com a presença de numerosas entidades e instituições. A ANAMATRA bem cedo se fez presente e tem dado contribuição relevante. Deve ser destacada a colaboração importantíssima do UNICEF que, embora atuando em faixa própria, com ênfase na educação, muito contribui com programas paralelos que reforçam a luta contra trabalho infantil., forjando o slogan:- Lugar de criança não é nem na rua nem no trabalho mas na escola de qualidade.
Uma lição se pode tirar desta mobilização que se iniciou em 1992:- a fase de só denunciar teve seu tempo e sua importância. Hoje o combate ao trabalho infantil só terá efeito se for propositivo, preenchendo o não jurídico ao menos, com medidas compensatórias (programas - não ações isoladas- tais como os de renda mínima para pais, de bolsas (escola, família), de atividades de complementação escolar tudo respaldado com políticas públicas cumprindo o que dispõe o art. 227 da Constituição ( resumo proposital da Convenção dos Direitos da Criança, cujos principais tópicos em estudo já eram conhecidos na fase de anteprojeto do ECA): a erradicação do trabalho infantil é dever da família, da sociedade, do Estado para garantir, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária.
6. CONCLUSÃO
O presente trabalho tenta mostrar que a erradicação do trabalho Infantil conclama a todos para a conscientização de que trabalho infantil não é solução, é um enorme problema, que está em grande parte na raiz das desigualdades sociais. É certo que muito já foi feito, mas muito ainda precisa ser alcançado. Como canta Arnaldo Antunes, é preciso que os adultos tenham consciência de que “criança não trabalha, criança dá trabalho.”
Toda criança possui plena dignidade como ser humano e esta uma verdade inquestionável, aceita e positivada universalmente, inscrita no texto da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada em 1989 pela ONU – Organização das Nações Unidas, que reconhece a todas as pessoas com menos de 18 anos de idade, os direitos humanos fundamentais, como a vida, a liberdade, a saúde, a assistência, a educação e a proteção.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
CALDEIRA, Ana Lúcia de Fátima; MERCÚRIO, Cássia Fernanda; SILVA, Josiane Leonarda Bonome da; BALHESTERO, Roberta. O trabalho infantil doméstico como violação dos direitos da criança. Presidente Prudente, 2004. Monografia (Graduação) - Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, 2004
CANAMARO, Renata de Jesus. A exploração do trabalho infantil e os spectos jurídicos do trabalho do adolescente no Brasil. Presidente Prudente, 2004. 135 f. Monografia (Graduação) - Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, 2004.
Instituto de Planejamento Econômico e Social; UNICEF. A criança no Brasil : o que fazer. Brasilia: IPEA, IPLAN, 1990.
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente : doutrina e jurisprudência. 5. ed. atual. de acordo com o novo código civil São Paulo: Atlas, 2004.
MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003
MORAES, Antonio Carlos Flores de. Trabalho do adolescente : proteção e profissionalização. 2. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 142 p. ISBN 85-7308-529-0
RIEZO, Barbosa. Estatuto da criança e do adolescente interpretado : lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 3. ed. São Paulo: LexbooK, 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário